Milton Cabral
Digital Transition Manager
Este pequeno ensaio mais não pretende ser do que uma chamada de atenção para empresários e organizações sobre a necessidade imperiosa de acompanhar as transformações tecnológicas que moldam o mundo de hoje, em especial no que se refere à Inteligência Artificial (IA). O objetivo é consciencializar sobre a importância de tomar decisões informadas e atentas.
Ignorar ou negar o impacto da IA, sem um mínimo de compreensão sobre o seu potencial, é arriscar consequências profundas e determinantes na vida de pessoas e empresas.
Embora seja especialmente dirigido aos empresários e profissionais do setor têxtil, este ensaio aplica-se a qualquer indivíduo, profissional ou organização.
O fenómeno da IA é global e transversal, afetando todos os setores da sociedade.
Ens(AI)o
Imaginemos o João - empresário de 55 anos, nortenho, com orgulhosa pronúncia, dono de uma empresa de média dimensão, de confeção, e com um negócio até ao momento sólido.
O João é alguém habituado a trabalhar arduamente. Uma pessoa astuta e experiente, que se orgulha de ter conseguido prosperar sem ter completado o ensino superior, apesar de ter já formado os seus dois filhos mais velhos, enquanto a terceira ainda estuda.
Herdou um pequeno negócio do pai, transformou a atividade e fê-lo crescer. Toda a sua vida tem sido assente no trabalho, e ao longo dos anos, viu empresas maiores cair enquanto a sua se manteve firme. Tem um património bem acima da média, uma família próxima que o admira e respeita. Os dois filhos mais velhos trabalham com ele. Depois de algumas experiências por outras empresas e setores, João convenceu-os a trabalharem com ele. Afinal, é preciso continuar o legado e ninguém melhor que os seus filhos.
No entanto, João acredita que eles não sabem tanto quanto ele. Nunca tiveram de operar uma máquina ou carregar rolos de tecido. Não atravessaram as crises que ele ultrapassou nem tiveram perto de fechar portas.
Para o João, o mundo têxtil não tinha segredos. Mas os filhos dizem-lhe que a indústria está a mudar. Ele sabe que sim, sempre foi assim. Sempre conheceu este setor a responder aos difíceis desafios que sucessivamente surgiram. Falam-lhe em robots, em informatizar (ou digitalizar como agora se diz), em inteligência artificial. O João não entende nem confia neste futuro que lhe apresentam. Esses conceitos são-lhe estranhos, provocam-lhe desconforto, estão longe daquilo que sabe e domina. Irrita-o, inclusive, quando os filhos lhe falam numa linguagem que ele mal-entende. Dizem-lhe que é imperioso estar nas redes sociais para vender, ou que é obrigatório saber utilizar inteligência artificial (IA), ou colocar robots na produção… Mas para o João tudo isso é muito estranho!
Compreender o João
O que o João está a atravessar é um fenómeno psicológico conhecido como dissonância cognitiva. As suas crenças, construídas ao longo de anos de experiência, estão a ser desafiadas por novas realidades, e isso gera-lhe desconforto, ansiedade e até medo. Perante isso, junta-se ao grupo de empresários que prefere negar os sinais e ignorar as evidências. Entra num jogo perigoso, onde a inércia toma o lugar da ação.
Ignorar os sinais da mudança coloca o João e a sua empresa em desvantagem. O futuro costuma recompensar aqueles que reconhecem os sinais e agem perante as mudanças. Há 30 anos, o João foi quem convenceu o pai a abraçar a renovação, modernizando o corte, adquirindo novas máquinas e instalando o primeiro computador na fábrica com software de gestão comercial. Foi difícil, mas necessário! Hoje, é o João que enfrenta um desafio semelhante: compreender que o futuro exige novos investimentos em tecnologias emergentes, como a IA, sob pena de ficar para trás.
A história do João reflete a realidade de muitos outros empresários que enfrentam a revolução tecnológica. Mais de 50% dos profissionais e gestores do setor têxtil ainda estão em negação, ignorando o impacto da IA, da automação e da robótica. Esta resistência é compreensível, mas perigosa.
Convencer o João
Para superar a dissonância cognitiva de pessoas na situação do João, é crucial fornecer informação clara, criar pontes com o que é familiar, demonstrar benefícios tangíveis, e promover um ambiente aberto ao diálogo. No caso das PMEs do setor têxtil, estas abordagens podem facilitar a aceitação da IA e ajudar as pessoas a verem a tecnologia não como uma ameaça, mas como uma ferramenta de melhoria e inovação.
Paremos para fazer o seguinte exercício: imaginemos novamente a empresa do João. Muito provavelmente, exporta cerca de 80 a 90% do que produz, sobretudo para países como Espanha, França e Alemanha.
A empresa do João há muito que deixou de conseguir competir pelo preço em encomendas de volume. Os seus clientes são exigentes. Querem qualidade, inovação. Querem rápido e ao mais baixo custo. As encomendas da empresa são cada vez mais pequenas e mais personalizadas e isso exige do João e dos seus colaboradores que sejam mais eficientes e criativos. Mas como? Continuando a investir na inovação e tecnologia.
Quando no final dos anos 90, a empresa decidiu adquirir novas máquinas melhorando a qualidade e a eficiência de produção, ou no final de 2008 quando abraçou práticas sustentáveis, a empresa do João, soube adaptar-se às novas exigências do mercado.
Agora o processo é o mesmo, apenas mudam as imposições. O João e a sua empresa precisam continuar a incentivar uma cultura de inovação, acompanhando as principais tendências para tomarem as decisões mais acertadas para o futuro da sua empresa. Parece óbvio, certo?
Então porque haveria o João de ignorar todos os sinais relativos ao impacto que a IA, ou outras tecnologias emergentes, têm na sua indústria? Serão barreiras financeiras? Falta de conhecimento?
Não se trata apenas de barreiras financeiras no acesso às tecnologias. Há hoje apoios e soluções disponíveis. Portanto, o maior obstáculo acaba por se encontrar na mudança de mentalidade e na superação de crenças enraizadas. O João, tal como muitos outros, precisa de dar o primeiro passo para abraçar a mudança, pois o custo da inércia é bem mais elevado!
P.S.:
Este ensaio foi inspirado nos resultados do inquérito realizado na feira Modtíssimo (60+4), junto de 30 PMEs do setor têxtil e vestuário. O estudo revelou que 76% dessas empresas ainda não incorporaram IA nas suas operações, e 53% acreditam que a IA terá pouco ou nenhum impacto no seu negócio.